quarta-feira, 29 de abril de 2009

Lost and blind

Pela tarde, no ônibus, ao voltar do trampo, escutei duas garotas de uns 16 anos, a julgar pelas suas aparências, conversando. E não era nada do tipo: "Ai, você viu a Malhação ontem?", ou "Ai, ele pediu para ficar comigo, será que eu aceito?". Na verdade, eu escutei, de uma dessas garotas, uma frase em especial: "Eu não sei por que eu gosto dele."

O tópico começou com a garota (feinha, diga-se de passagem) comentando, com um certo enfado: "Ah, dois meses de namoro, já." E então, ela profere a frase que captou a atenção do tímpano dos meus ouvidos. E ela ainda coloca mais drama na problemática: "Não entendo, porque ele é feio, chato, irritante..."

É, por que será que ela gosta dele? Bem, boa pergunta. Boa mesmo, porque até hoje é bem complicado dar uma explicação plausível para o fato de sentirmos atração por uma pessoa. O próprio Freud, após anos e anos estudando pessoas e seus comportamentos, afirmava ter uma pergunta para a qual ele não tinha resposta: "O que querem as mulheres?". Bem, e o inverso é verdadeiro, afinal, não é só sobre mulheres; é sobre atração, de modo geral.

O fato, é que a atração não é lógica. Ela não é uma escolha, ou uma opção. Ela é algo que está acima do controle do nosso cérebro; é a paráfrase do verso do Camões: "O coração possui sua razão que a própria razão desconhece." A atração simplesmente acontece, pimba. É uma reação, uma resposta de natureza físico-química do nosso cérebro para um estímulo do meio. Como diria o Falcão, com ela, "ou é ou deixa de é".
Qu'est-ce que les yeux ne voient pas...
E ela ocorre de maneira diferente para homens e mulheres. Eu acredito que os homens tendem a sentir atração pelo potencial de reprodução de uma mulher (sua beleza física). As mulheres sentem que estão diante de um homem atraente quando elas detectam um potencial de sobrevivência nele (sua "macheza", a auto-confiança e segurança por ele passadas, força interior e controle de suas emoções). Por isso é comum ouvirmos frases como a da jovem moçoila do início do texto. (Eu acredito que o espanto da garota é algo incutido pela sociedade moderna que ela vive, que acredita que a beleza e é um fator mais preponderante sobre os outros no que diz respeito à atratividade de uma pessoa. Se fosse nos tempos das cavernas, ela simplesmente acharia normal estar atraída por um homem que não é bonito, nem "legal", e, por isso, não ficaria nesse dilema.)

No estudo de caso da rapariga, o que ocorre é que o tal do namorado dela consegue fazer com que ela sinta emoções, talvez até aquelas mais primitivas (como a inconsciente necessidade de abrigo e segurança - atributos que comentei acima. Eu também acredito que outra responsável (e uma das emoções que ela sente) pela tortura psicológica à qual a triste donzela é submetida pelo lobo mau dela é justamente o fato de ele ser chato e irritá-la. Ele se comporta como um desafio para ela. Ela tem que estar o tempo inteiro conquistando-o, para não perdê-lo. Ele é um convite à aventura, um salto de bungee-jump sem equipamentos de segurança.

Ah, como eu queria ter me metido naquela conversa!

Escutando: Peter Gabriel - The Family And The Fishing Net